Covid-19 no dia a dia do empregador e trabalhador
Diretor de Assuntos Jurídicos da ACP explica os desdobramentos da Covid-19 pela ótica do Direito do Trabalho
Todos os assuntos envolvendo a pandemia do novo coronavírus ainda são muito atuais e sensíveis, o que pode gerar incertezas em todas as partes. Por isso, conversamos com o Diretor de Assuntos Jurídicos da Associação Comercial de Pelotas, Fabrício Cagol, para entender através do viés do Direito Trabalhista as possíveis repercussões da Covid-19 para empregadores e colaboradores. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
O colaborador tem alguma obrigação legal de informar sintomas e/ou teste positivo? Se ele segue indo trabalhar, existe alguma forma de punição legal caso outras pessoas sejam contagiadas?
Cumpre esclarecer que não há uma ordem expressa ou obrigação do trabalhador informar à empresa sobre sintomas ou mesmo teste positivo. Por outro lado, consta na lei federal n° 13.979/2020, em seu artigo 5°, que as pessoas deverão colaborar com as autoridades sanitárias, para informar eventuais casos ou locais de contaminação. Além disso, a orientação é no sentido de que todas as empresas estabeleçam normas de controle interno sobre o tema, através de um manual ou mesmo qualquer documento que formalize a orientação neste sentido a todos os funcionários. Com esta conduta, o empregador demonstra estar atento e preocupado com a sua saúde, a de seus colaboradores e dos seus clientes.
Neste contexto, caso o funcionário não obedeça o regulamento interno da empresa, pode ser dada uma advertência/suspensão por descumprimento funcional. De qualquer forma, considerando que o tema é novo e polêmico, a punição do colaborador pode ser um pouco temerária também, trazendo risco a empresa neste momento de pandemia. O bom senso, o diálogo e sensibilidade das duas partes devem prevalecer.
Ao ser informada, como a empresa deverá agir?
A primeira atitude a ser tomada é afastar imediatamente o colaborador das atividades presenciais e de qualquer contato com colegas de trabalho, até mesmo para que ele possa procurar auxílio médico e realizar o exame clínico, para verificar se testou positivo ou não para Covid-19. Além disso, a empresa deverá ter especial atenção aos colaboradores que tiveram contato com o indivíduo contaminado é, caso apareça qualquer sintoma, é indicado o imediato afastamento das atividades, até mesmo para proteger os demais colegas de trabalho e os próprios clientes da empresa.
Como funciona o afastamento? Quais os direitos e deveres de ambas as partes?
O afastamento do trabalho ocorre nos mesmos moldes de qualquer afastamento por doença, com os primeiros 15 dias sendo responsabilidade do empregador, e, a partir do 16º dia, a remuneração ficando a cargo do INSS, devendo o funcionário ser encaminhado para a previdência social, onde terá perícia médica e será avaliado se ele deverá permanecer afastado do trabalho ou se poderá retornar a função. Caso permaneça vários dias afastados, o INSS arcará com os valores mensais de sua remuneração, até receber a alta médica.
Pode demitir? Se não, o que impede? A lei é nova/específica ou serve para outras situações?
O tema é polêmico, para melhor entendimento é interessante um pequeno histórico das alterações normativas a partir do início da pandemia. Inicialmente a MP 927, publicada ainda em março, previu no seu artigo 29 que os casos de Covid-19 não seriam considerados doenças ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Desta forma, em não sendo considerado doença ocupacional, o colaborador poderia ser desligado sem problema algum. No entanto, em abril, o STF proferiu uma decisão que suspendeu a eficácia do referido artigo 29 da MP 927. Logo, em tese a lógica ficaria invertida, ou seja, a COVID-19 seria considerada doença ocupacional, sendo ônus do empregador comprovar o contrário.
No dia 28/08/2020, foi editada a Portaria 2.309/20 pelo Ministério da Saúde que incluiu a COVID-19 entre as doenças ocupacionais e, portanto, que geram direito à estabilidade de doze meses ao trabalhador (com a presunção do nexo causal). Contudo, em 02/09/2020, foi publicada Portaria pelo Ministério da Saúde (n° 2.345/20) tornando sem efeito a anterior, ou seja, afastando a presunção do nexo de causalidade entre a doença e o trabalho do funcionário.
Enfim, com este histórico e a polêmica do tema, podemos concluir, ao menos até este momento, que a empresa poderá demitir o funcionário (não há estabilidade), após o retorno dele ao trabalho e após se recuperar da Covid-19, posto que não há presunção legal do nexo de causalidade entre a doença e o trabalho que ele desempenhar na empresa. A exceção seria se o funcionário comprovar que contraiu a doença dentro do seu local de trabalho, passando então a ser considerada doença ocupacional.
A pessoas não pode ser demitida por justa causa em nenhuma situação relacionada à doença, correto?
Correto. A empresa não pode demitir o funcionário por justa causa nestas hipóteses, já que ele precisa ser afastado para tratamento, e nunca ser demitido.
Caso um colaborador seja demitido e comprove que houve discriminação em relação ao diagnóstico/sintomas, cabe processo trabalhista?
Sim, se a empresa demitir por justa causa ou tiver qualquer atitude discriminatória perante o colaborador ou outros colegas de trabalho em razão da doença, certamente caberá processo perante a justiça do trabalho.