Alterações nas Recuperações Judiciais Bancárias
Os reflexos da Pandemia (Covid-19) nos processos de Recuperação Judicial e nas Negociações Bancárias
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1. INSOLVÊNCIA
1.1. Recomendação nº 63/2020 do CNJ: trata sobre a Recuperação Judicial
O surgimento da Covid19 modificou o ambiente empresarial fazendo com que o Estado agisse de modo a tentar manter o equilíbrio econômico-financeiro, sendo que tais ações vão desde a liberação direta de valores a pequenos empreendedores até a permissão para que alguns atos ocorram de maneira eletrônica, evitando o contato pessoal.
Nesta esteira, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) expediu, em 31/03/2020, recomendações aos juízes atuantes em processos de recuperação judicial e falência no país, de forma a uniformizar o tratamento às partes durante a pandemia. As recomendações são as seguintes:
a) priorizar a análise e decisão sobre levantamento de valores em favor dos credores ou empresas recuperandas;
b) suspender de Assembleias Gerais de Credores presenciais, autorizando a realização de reuniões virtuais quando necessária para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos pagamentos aos credores;
c) prorrogar o período de suspensão previsto no art. 6º da Lei de Falências quando houver a necessidade de adiar a Assembleia Geral de Credores;
d) autorizar a apresentação de plano de recuperação modificativo quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia da Covid-19, incluindo a consideração, nos casos concretos, da ocorrência de força maior ou de caso fortuito antes de eventual declaração de falência (Lei de Falências, art. 73, IV);
e) determinar aos administradores judiciais que continuem a promover a fiscalização das atividades das empresas recuperandas de forma virtual ou remota, e a publicar na Internet os Relatórios Mensais de Atividade;
f) avaliar com cautela o deferimento de medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e atos executivos de natureza patrimonial em ações judiciais que demandem obrigações inadimplidas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
Se nota que o objetivo é proporcionar às empresas que já estavam em dificuldade financeira a continuidade de seus negócios e atividades, mesmo no momento de grave crise, protegendo assim empregos e a própria economia.
1.2. Projeto do Lei – Procedimento da Negociação Preventiva
Está tramitando em regime de urgência no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.397/2020, que prevê em seu modelo inicial medidas que possibilitariam maior fôlego financeiro às empresas que sofrerem redução no seu faturamento e tiverem dívidas vencidas nesse período de pandemia.
Em resumo, o Projeto de Lei prevê o seguinte: a vedação de excussão judicial ou extrajudicial de garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações; a decretação de falência; o despejo por falta de pagamento ou outro elemento econômico do contrato; a resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado; a cobrança de multas de qualquer natureza, desde que incidentes durante o período de pandemia.
O Projeto de Lei prevê ainda o procedimento de jurisdição voluntária denominado negociação preventiva, consistente em uma ação judicial onde o devedor deverá comprovar que teve redução de seu faturamento no período da pandemia e assim chamar os credores para participar de negociações que visem saldar os respectivos débitos, tudo para incentivar as negociações e acordos, bem como evitar execuções ou penhoras judiciais.
Por ser ainda um Projeto de Lei, está em discussão no Congresso Nacional, e pode sofrer alterações dentro dos próximos dias, até a aprovação de seu texto final.
2. BANCOS
2.1. Resolução nº 4.792/2020 do CMN: trata sobre a Tecnologia Financeira
Entrou em vigor, no dia 04 de maio de 2020, a Resolução nº 4.792/2020, do Conselho Monetário Nacional (CMN), alterando a Resolução n° 4.656/2018, que criou as Sociedade de Crédito Direto (SCD) e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), com o objetivo de regulamentar a operação destes modelos das denominadas “Fintech” (Tecnologia Financeira), instituições financeiras que se mostram cada vez muito úteis, especialmente em tempos de isolamento social em face da pandemia.
Como é sabido, a Sociedade de Crédito Direto é uma espécie de instituição financeira reconhecida pelo Banco Central (Bacen) que, conforme o artigo 3º, da Resolução 4.656/2018, tem por objeto “a realização de operações de empréstimo, de financiamento e de aquisição de direitos creditórios exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, com utilização de recursos financeiros que tenham como única origem capital próprio”.
Já a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas, também instituição reconhecida pelo BACEN, tem por objeto “a realização de operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas exclusivamente por meio de plataforma eletrônica”, nos termos do artigo 7º, da Resolução 4.656/2018.
Dentre as principais novidades trazidas pela Resolução nº 4.792/2020 estão as seguintes:
- a autorização para que SCDs emitam cartões de crédito;
- a possibilidade de financiamento das operações das SCDs com recursos oriundos de repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
- a cessão de carteiras a outros tipos de fundos de investimentos (alternativamente aos FIDCs);
- a autorização para que o controle das SCDs e SEPs seja exercido de forma isolada por fundos de investimento (entre eles, fundos de private equity, que foram mencionados especificamente na divulgação pelo Banco Central).
Estas novas possibilidades de uso da tecnologia financeira possibilitam que as plataformas eletrônicas atendam ainda mais as demandas dos seus clientes, e assim constituem importante meio de medidas de estimulo à economia e à preservação da saúde pública, pois não há necessidade de deslocamento até uma agência bancária, evitando assim a propagação do vírus causador da pandemia.
2.2. Revisões Bancárias
Em razão da pandemia da Covid-19 e a orientação de distanciamento social, a economia foi abruptamente atacada, com grande defasagem tanto na produção como no consumo.
Saliente-se que as instituições bancárias têm se mostradas atentas a este cenário, oferecendo uma gama de alternativas para tentar ajudar seus clientes, em especial a negociação e suspensão do pagamento de parcelas que se vencerem neste período, além de crédito para pequenos empreendedores, entre outros. Todavia, os desdobramentos econômicos da crise sanitária são ainda imprevisíveis e podem gerar a necessidade de revisão de contratos celebrados anteriormente.
Nossa legislação já prevê meios de revisão de contratos em razão de fatos supervenientes (caso fortuito ou força maior), que alterem a situação dos contratantes, que podem ser utilizadas neste momento de crise, como por exemplo:
- teoria da onerosidade excessiva, prevista no artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor e no artigo 478, do Código Civil;
- caso fortuito ou força maior, previstos no artigo 393, do Código Civil;
- função social do contrato, prevista no artigo 421, do Código Civil;
- boa-fé objetiva do negócio, prevista no artigo 422, do Código Civil.
Deste modo, aquele que contratou crédito com instituição bancária antes da pandemia e em razão dela não possui mais as mesmas condições financeiras para o adimplemento em razão dela, pode se valer destes institutos jurídicos para renegociar ou até mesmo extinguir a relação contratual, observado caso a caso.
2.3. Ações do Banco Central que devem Possibilitar Novas Linhas de Crédito aos Bancos
O Banco Central tem se manifestado no sentido de adotar medidas, liberar valores e regulamentar meios que possibilitem os bancos a oferecerem novas linhas de crédito no mercado, com o objetivo de manter aquecida a economia e tentar afastar o cenário de crise.
Citamos abaixo algumas medidas que estão em processo de implementação, conforme as informações oficiais do Banco Central:
- Resolução 4.800/2020, que permite que as instituições financeiras participem do Programa Emergencial de Suporte a Empregos, financiando a folha salarial das empresas que possam integrar o Programa, agindo ativamente para preservar os empregos, bem como a saúde financeira da empresa;
- Empréstimo com lastro em letras financeiras garantidas por operações de crédito;
- O Banco Central reduziu a obrigatoriedade de os bancos manterem provisionados R$ 68 bilhões em depósitos compulsórios sobre recursos a prazo. A alíquota caiu de 25% para 17%;
- Resolução 4.782/2020, dispensa de provisionamento para renegociação de operações de crédito. A ação facilita a renegociação dos prazos de operações de crédito de empresas e de famílias que possuem boa capacidade financeira e mantêm operações de crédito regulares e adimplentes em curso, permitindo ajustar seus fluxos de caixa;
- Resolução 4.785/2020, instituiu o Novo Depósito a Prazo com Garantias Especiais (NDPGE) é uma opção a mais de captação de recursos acessível a todas as instituições financeiras associadas ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Trata-se da possibilidade de essas instituições captarem depósitos garantidos pelo FGC, o que também contribui para a continuidade da oferta de crédito para o setor real.
- Resolução 4.787/2020, normatiza a flexibilização nas Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), permite que mais instituições possam captar recursos com as LCAs, aumentando sua liquidez, a base de cálculo foi ajustada. Assim, foram flexibilizadas as regras para aplicação dos recursos provenientes da captação nas atividades do agronegócio;
- Resolução 4.786/2020, normatiza o empréstimo com lastro em debêntures, a Banco Central passa a ter a possibilidade de realizar empréstimos para as instituições financeiras com lastro em debêntures (títulos privados). Essas operações têm também a garantia dos recursos que as instituições financeiras mantêm compulsoriamente em suas contas de reservas no próprio Banco Central, eliminando o risco para a autoridade monetária. Trata-se de uma Linha Temporária Especial de Liquidez que visa garantir a liquidez e o normal funcionamento do mercado de crédito coorporativo privado durante a crise;
- Resolução 4.788/2020, os maiores bancos poderão recomprar um volume maior de suas próprias letras financeiras. Com isso, os detentores desses papéis (em sua maioria, fundos de investimento) terão maior facilidade para resgatar os recursos aplicados, caso necessário;
- Resolução 4.784/2020, os bancos deixam de ser obrigados a deduzir do seu capital os efeitos tributários das operações de hedge de moeda estrangeira para sua participação em investimentos no exterior, um dos mecanismos usados pelos bancos para se protegerem das variações cambiais. A medida dará segurança para as instituições financeiras implementarem, ou mesmo para ampliarem, seus planos de concessão de crédito.
Percebemos uma série de medidas adotas pelo CNJ e BACEN, cuja intenção é ajudar as pessoas e empresas do país a superarem essa crise financeira decorrente da pandemia, bem como tentar manter as relações comerciais aquecidas, evitando que a crise econômica seja ainda maior do que a crise sanitária.
Fabrício Cagol
Diretor de Assuntos Jurídicos da ACP
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